14. A rainha da primavera

Rachel Carson foi a primeira pessoa a dizer ao grande público (nos anos 60) que os agrotóxicos não fazem bem a saúde das pessoas e dos ecossistemas.

Estou lendo “A Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, numa edição em inglês, já que está fora de catálogo no Brasil. Fiquei curiosa a respeito desse livro, publicado em 1962, porque vários artigos e entrevistas de gente fera em ecologia o citam como um marco no movimento ambientalista. O título se refere ao fato de que o inseticida DDT — na época considerado uma solução eficaz contra as pragas da lavoura – extermina os pequenos animais do solo e voadores, acabando com a melodia dos passarinhos na primavera.

Rachel foi a primeira pessoa a transmitir para fora do mundo acadêmico a mensagem de que os agrotóxicos causam imensos prejuízos para os ecossistemas e a saúde humana. Havia tanta inocência em relação a esses produtos que em 1945, segundo conta meu amigo e produtor orgânico Joop Stoltenborg em seu ótimo informativo, o governo holandês chegou a polvilhar com DDT em pó o corpo de todas as crianças (inclusive ele) para combater piolhos e sarna. Uma década depois da publicação de “A Primavera Silenciosa”, o veneno foi banido dos Estados Unidos. Mas, antes de vencer a batalha e já doente de câncer, Miss Carson, nossa heroína, foi vítima de uma campanha de difamação e acusada, entre outras coisas, de ser comunista e – acredite! – solteirona.

Para aumentar a produção de alimentos, após a Segunda Guerra Mundial todo o arsenal recém-descoberto de venenos passou a ser jogado nas plantações, sendo que várias substâncias eram originalmente armas químicas. Até certo ponto, houve sucesso, pois, sem os predadores naturais, as colheitas realmente foram a princípio mais fartas. No entanto, estamos pagando caro por essa opção até hoje…

Dá tristeza pensar que aquelas pilhas coloridas e apetitosas de frutas e legumes nos supermercados e feiras contêm muitos itens envenenados. Mas essa é a pura verdade. E não se trata de papo de ecoxiita. Em maio desse ano, a Anvisa (órgão do governo brasileiro vinculado ao Ministério da Saúde) publicou a avaliação de 1773 amostras de 17 tipos de vegetais vindos de diversos Estados. Nada menos do que 64% dos pimentões, 30% das cenouras, 19% das alfaces e 18% dos tomates estavam contaminados por inseticidas em níveis acima do permitido por lei.  

O Brasil ostenta atualmente o título de maior consumidor de agrotóxicos do planeta e aqui são comercializadas livremente diversas substâncias proibidas em outros países. Os exatos efeitos desses venenos sobre a saúde das pessoas e do meio ambiente são difíceis de aferir e há interesses econômicos poderosos contra sua divulgação. Intoxicações agudas acontecem sobretudo com trabalhadores rurais e, segundo dados de 2007 do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, naquele ano houve 9.670 casos, com 213 mortes. A revista Veja de 7/1/09 publicou uma matéria sobre a cidade de Jardim Olinda, no Paraná, onde nascem muito mais mulheres do que homens por causa da contaminação do lençol freático por agrotóxicos, fato que está ocorrendo também em outras regiões. Consumidas diariamente em doses homeopáticas, essas substâncias podem causar doenças hormonais, câncer, problemas neurológicos e má formação genética, pois são absorvidas pelo organismo, vão se acumulando ao longo da vida e estão presentes até mesmo no leite materno. 

Várias pessoas já me disseram que se recusam a pagar R$ 3 por um pé de alface e só vão experimentar os orgânicos quando o preço for o mesmo dos produtos convencionais. Entendo o interesse em reduzir a conta do supermercado, mas nessas horas penso no show de horror descrito no parágrafo acima e fico sem palavras.

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