22. Celuless

Meu celular quebrou, o fabricante faz de tudo para a gente desistir do conserto e, por isso, decidi pela vingança. Em vez de comprar um aparelho novo, estou aceitando doação de um usado.

Sexta-feira passada, no meio de uma reunião de trabalho, o celular desmontou na minha mão. Culpa da desastrada aqui, já que a pobre máquina caiu no chão diversas vezes. No ano passado, algo semelhante aconteceu e eu vivi uma verdadeira gincana para consertar outro aparelho (veja o post 13), que logo depois do reparo quebrou de novo e foi substituído.

Fui ao shopping em busca da assistência técnica e descobri que a loja fechou. Voltei para casa, entrei no site do fabricante e comprovei que essas empresas fazem de tudo para as pessoas não mandarem seus celulares para o conserto. A ideologia do “quebrou, joga fora” impera.

Para começar, a tal empresa — multinacional, poderosa e fera no marketing — esconde os endereços de assistência técnica. E coloca a lista em letras miúdas, sem separar por região, de modo que precisei olhar 119 endereços um a um para descobrir que em São Paulo são apenas duas oficinas, ambas muito longe da minha casa. A estratégia da companhia foi eliminar as lojas mais acessíveis, que ficavam em shoppings. 

Liguei para um local em Moema e a gravação atendeu ao telefone, sem a alternativa de falar com um ser humano. De forma seca, informa o endereço, o horário de funcionamento e que as pessoas serão atendidas em ordem da chegada. O famoso “foco no cliente” passa longe dali. O atendimento prometia ser pior que o da mais sádica repartição pública e já dava para antever uma fila gigantesca com pessoas gritando suas insatisfações. 

Por que será que eles reduziram a rede de atendimento? Pensei dois minutos e lembrei das campanhas de sustentabilidade dessas empresas, que hoje em dia se orgulham de ter colocado nas lojas cestos de lixo específicos para celulares. Então é isso! A promessa da reciclagem foi a desculpa para acabar com o conserto. Só que, em termos ambientais, mesmo a reciclagem mais perfeita é pior do que consertar aquilo que a gente já possui.

Fiquei revoltada e decidi não investir meu dinheiro na compra de um novo celular. Estou me candidatando a receber a doação do aparelho velho. Jurássica que sou, só preciso usar celular como telefone. E mesmo assim com pouca frequência.

Marcos, meu cunhado, gentilmente se candidatou a realizar a doação. Estou muito agradecida e, enquanto não pego meu celular de segunda mão, vou vivendo celuless. Mas preciso buscar logo o tal aparelho, pois está sendo tão bom me libertar da telefonia móvel que corro o risco de desistir para sempre da tal maquininha.

One thought on “22. Celuless

  1. Claudia, muito legal o seu blog! Eu também acho o fim essa cultura do quebrou/joga fora. Dou um outro exemplo: meu relógio. De uma multinacional esportiva (talvez a maior do mundo), ele está funcionando perfeitamente após 3 anos de uso. Já a corrente precisa ser trocada. Em São Paulo não consegui. O valor da corrente é maior do que o preço do relógio. Minha mãe foi para Nova York e tentou lá. Resposta: “Não temos e não temos previsão de quando teremos”. De fato, ela voltou lá 3 semanas depois e nada…

  2. claudia, bela atitude. acho que vc tem que mandar esta historia para a empresa (operadora e fabricante). se eles nada fizerem, manda para os jornais. temos que, as vezes, lembrar para as grandes corporações quem manda – O CLIENTE !!!! abraçom denys

  3. Claudia,
    Gostei muito da iniciativa e da simplicidade do blog simplesmente. Parabéns. Conte comigo para contribuições pois esse assunto ++++ consumo, sobretudo dos nossos filhos, tem me assustado muito.
    Olha, tenho 2 celulas velhos que funcionam muito bem, da Vivo. Fica a dica, pra quem estiver precisando é só me falar. bjos didi

    1. Oi Didi,

      Vamos nessa, trocar figurinhas anticonsumistas para ver se a próxima geração recebe o planeta um pouco melhor. Sobre o celular, se o do meu cunhado não rolar, vou querer!!!! Bjo.

  4. Claudia,
    Muito legal seu blog!
    A respeito de celulares, onde está o direito do consumidor numa hora dessas? Será que é muita “ignorância” vc querer consertar o seu celular? E quem não tem grana pra isso?
    bjo

  5. Claudia:

    A Edi cumprou sua promessa e me mandou o endereço do seu blog. Adorei! Quando o assunto é celulares, lembro sempre do Cortázar abaixo (não sei se você já conhece). Acho que por isso é que sou a pior usuária do mundo – você vai descobrir, se tentar me ligar.
    Faço votos que você continue celuless. Adorei também as roupas com história, tá? Beijinho,
    Lu

    Preâmbulo às Instruções para dar corda no relógio
    Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente o relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra pedras que você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você – eles não sabem, o terrí­vel é que eles não sabem – dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo, algo que lhe pertence mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrinas das joalherias, na notí­cia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de perdê-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.

    1. Oi Luciana,

      Não conhecia o texto do Cortázar e amei. Exatamente por isso pedi que não dessem presentes de aniversário esse ano. Ou melhor, não me dessem “de presente” para um monte de coisas que eu teria que cuidar. Vou adotar o esse texto.

      Bjo,

      Claudia

  6. Bom dia amiga…
    Parabéns pelo seu blog. Muito lindo e necessário.
    Tenha um ótimo início de semana.
    Somos vegetarianos, meu esposo e eu.
    Como não poderia ser diferente, defensores do nosso planeta.
    Sucesso e pensamentos nobres.
    Abraço.

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