24. Momento embrulhado para presente

Quando resolvi pedir que as pessoas não me dessem presentes no meu aniversário, foi complexo.

Estou tentando reduzir o número de átomos que me cercam. Não só porque as coisas que possuímos em geral foram extraídas da natureza de forma predatória. Não só porque quase tudo vai parar no lixão depois de algum tempo de uso. Principalmente porque o excesso de matéria orbitando ao meu redor atrapalha demais. Ocupa muito espaço e tira o foco das melhores experiências da vida. Prefiro mil vezes correr ao ar livre a encarar um shopping. Um milhão de vezes qualquer assunto humano à troca de dicas sobre liquidações e temas afins.

Os objetos dão um trabalho danado. É preciso limpar, guardar, organizar, cuidar, tentar encontrar um novo dono quando algo não serve mais e ainda sofrer na hora de mandar para a reciclagem, pois provavelmente o destino final será o lixão mesmo (veja o post 20).

Quando a data do aniversário vai chegando, a ideia de receber muitos pacotinhos me deixa tensa. Esse ano, eu quis comemorar os 44 (!), mas pedi que não trouxessem presentes. Como não soube me explicar direito, foi complexo. Houve quem achou a atitude antipática e quem ficou pouco à vontade por chegar de mãos abanando. O assunto foi parar até no divã, com a interpretação de que é ruim a gente fechar a possibilidade de receber algo do outro.

Não desgosto de presentes. Desgosto de ter coisas demais. No próximo aniversário, você pode me ofertar um passeio. Passe em casa e vamos tomar um picolé olhando o pôr-do-sol. Ou então vamos atacar umas calorias extras na doceira da esquina. Me empresta um livro e depois conversamos sobre ele, que tal? Qualquer momento embrulhado para presente me faz feliz.

Minha amiga Luciana Pinheiro, da turma do basquete, colocou um comentário no blog citando o Mestre Julio Cortázar. O texto, escrito na década de 50, faz parte de “Histórias de Cronópios e de Famas”. Aí vai:

Preâmbulo às Instruções para dar Corda no Relógio

Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente o relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra pedras que você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você – eles não sabem, o terrí¬vel é que eles não sabem – dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo, algo que lhe pertence mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrinas das joalherias, na notí¬cia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de perdê-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.

One thought on “24. Momento embrulhado para presente

  1. Oi Claudia,

    lembro bem do seu niver e confesso que eu e o Beto conversamos muito a respeito tentando entender o que “não levar” de presente pra você, mas chegamos à conclusão que sua atitude de não querer presentes não tinha nada de antipática, simplesmente era VOCÊ e sua atitude tinha toda a coerência com seu modo de ser. Tenho certeza que você ficaria muito feliz em receber algo que alguém tenha feito especialmente pra vc e não comprado pronto, como por exemplo biscoitos, uma torta vegetariana, pensando nisso já sei o que vou te dar no próximo aniversário.
    Beijos,

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