32. Tempo de espera

O imediatismo é a lei hoje em dia. Por isso, a gente consome, consome, consome e nunca fica saciado. Faria muito bem para o nosso coração e para o planeta filtrar os desejos e jogar fora os meros impulsos sem significado.

Outro dia, minha filha cismou que queria uns lápis de cor especiais. Como acontece com toda criança, o desejo veio urgente, incontrolável e apimentado pelo fato de que algumas amigas da escola já possuíam aquele item. De um momento para o outro, Julieta precisava desesperadamente dos tais lápis e, sem eles, a vida parecia perder o sentido.

Tentando dialogar com ela, lembrei de todas as vezes em que eu já quis algo com muita urgência e de como é difícil até respirar quando se vive nesse estado. Continuo tendo desejos súbitos, que os anos me ensinaram a domar. É isso que nos faz adultos, não é?

“Seu aniversário é só daqui a um mês e você já tem vários lápis de cor. Não está na hora de dar presente”, eu disse. “Mãe, eu vou comprar com a minha mesada”, ela respondeu. “Então tá, amanhã vamos à papelaria”, negociei.

No dia seguinte, conforme combinado, percorremos a pé o bairro em busca dos lápis de cor neon. Só que, nos três lugares em que procuramos, não havia. Julieta ficou muito brava e despejou toda a frustração em mim. Queria ir de carro a uma loja maior. Eu disse que naquele momento não ia dar (e não ia mesmo, pois eu tinha outro compromisso). Brigamos.

Mais tarde, quando ela se acalmou, fui abraçá-la e nos enroscamos nos bichinhos de pelúcia que vivem em sua cama. Tivemos uma das melhores conversas dos últimos tempos. Eu disse que esperar por algo que a gente quer muito é difícil, mas só desse jeito o amor pode crescer. Comecei a falar sobre os nove meses de espera para que ela e o Alex (seu irmão gêmeo) nascessem. Curti a preparação do quarto e das roupinhas de bebê, fiz planos, sonhei com o futuro da nossa família. “Se os bebês viessem ao mundo de um dia para o outro, teria menos graça. Esperar por um presente, uma festa, uma viagem dá mais sabor àquilo que a gente vai experimentar”, concluí. E ela entendeu.

É uma pena que o imediatismo impere nos dias de hoje. Como resultado, a gente consome, consome, consome e nunca fica saciado. Faria muito bem para o nosso coração e para o planeta cultivar o tempo de espera. Ir filtrando os desejos para perceber quais são verdadeiros e quais são meros impulsos sem significado. E, ao alcançar o que foi sonhado, espremer cada gota de satisfação. Se a gente conseguir ensinar isso para os filhos, talvez fique mais fácil, lá na frente, escapar das compulsões, seja por drogas, comida, jogos eletrônicos, sexo casual ou qualquer outro comportamento de risco.

Os lápis neon, que no dia seguinte compramos, já produziram alguns desenhos bonitos. Custaram R$ 11,30. A conversa que eu e a Julieta tivemos sobre esperar o amor crescer vale infinitamente mais.

One thought on “32. Tempo de espera

  1. Essa história de imediatismo é um problema que enfrento com frequência, e com pessoas bem mais velhas que a Julieta (!!!). Sabe aquela história de que a angústia é o jeito de ser da liberdade? Pois é, o ser humano nunca foi tão livre de amarras sociais, econômicas e religiosas, não há mais fronteiras nem lugares inacessíveis, a informação está aí pra quem quiser e o conforto é um sonho que nunca se realiza, sempre aberto. O problema é que essa liberdade possível gera angústia, pois nos deixa a nosso próprio crivo e decisão. Ela paralisa e é mais fácil sentar e deixar a correnteza agir. O consumo é a resposta a essa letargia libertária, assim como a festa da medicação dopante, assim como a proliferação da autoajuda bate-entope que nos dá receitas de como ficar melhorzinho, e da febre de realidade avatariana que invade a TV e o cinema e nos faz esquecer que imaginar o invisível é muito mais bacana e nos abre à transformação possível… Não sabemos lidar com a angústia e experimentamos uma falta de imaginação que não nos permite construir novas maneiras de ser e estar, dimensões particulares, a turma tá sem chão. Estamos… o homem está aprendendo a viver por si, e nessa hora nosso amigo Campbell tem razão: precisamos de novos mitos que nos ajudem a reorganizar nossa existência. Enquanto isso, o consumo responde a essa organização, sempre temporária, sempre provisória, sempre incompleta em sua definição interna. Eu fico aterrorizado, pois sou um pessimista ainda em processo de conversão. E tb um ex-consumista em fase de absenteísmo forçado. Ainda bem que a Julieta e o Alex tem pais resistentes a isso tudo, eles te agradecerão, e muito, logo, logo. Beijo e muito blog pra frente!

    1. Oi Flavio,
      Andei pelo seu blog e adorei o Seu Otávio e a moça dos sapatos azuis/pretos. Gente sozinha, procurando outro ser humano, naquele momento não se dopando nem se enganando com a shoppingterapia. Senti um sopro de otimismo. Quanto aos filhos, eles vão crescendo, como todas as crianças, imersos na cultura atual, tão sem rumo e tão cheia de soluções que só servem para enriquecer quem as inventou. Quando quiserem sair um pouco desse oceano que tem gosto de adoçante, pretendo ser a praia onde possam curtir um pouco paisagens verdadeiras. Bjo!

  2. Mais um lindo texto, Claudia!
    Acredito que a insatisfação seja, no fundo, uma ferida espiritual.
    E haja produto, comida, bebida, livro, entretenimento, cigarro, droga, trabalho, academia etc. etc. etc. para tentar preencher este buraco. Arre!
    bjs, Lu

    1. Oi Lu,
      É isso aí. Do “buraco” vêm as experiências pela quais vale a pena viver. Precisamos muito entrar em contato com nossas feridas espirituais. A luz nasce da escuridão, como dizia Gil naquela música e os budistas há muito tempo.
      Bjo!
      Claudia

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