86. Mensageiros da Primavera

Enquanto a agricultura química declara guerra aos insetos & cia, a agroecologia ensina a conviver. Nessa época do ano, mais bichinhos aparecem e precisamos reaprender que nossa existência depende deles. 

Tanto as ruas quanto os canteiros aqui de casa estão se enchendo de flores. Além delas e das árvores brotando, há outro indício de que a primavera vem aí: aumenta a população de pequenos animais que vivem ou visitam a horta. Observo as fofas joaninhas, os exóticos grilos e besouros, a movimentação das formigas, os beija-flores flutuando, os bem-te-vis cantando, a chegada das abelhas e a gulodice das lagartas.

Muita gente acredita que, para fazer agricultura orgânica, basta substituir os agrotóxicos pelos adubos naturais. Mas as diferenças são muito mais profundas. Outro dia aprendi que o verdadeiro trabalho do agricultor orgânico não é alimentar as plantas e sim os microorganismos que fertilizam o solo. Já o cultivo com base em produtos químicos declara guerra aos seres vivos, com exceção da espécie que se repete naqueles imensos e monótonos campos de monocultura. “Todo bichinho deve ser exterminado” parece ser o mantra dessa turma.

“Pura ingenuidade dos humanos, esses recém chegados”, deve ser a conversa nos formigueiros. As baratas, por exemplo, conseguirão se virar mesmo se continuarmos empurrando o mundo para o cataclisma ambiental. Elas já existiam antes do surgimento dos dinossauros e sobrevivem a 20 vezes mais radiação do que nós (http://super.abril.com.br/mundo-animal/verdade-so-baratas-sobreviveriam-desastre-nuclear-447831.shtml). E as abelhas (que estão desaparecendo em várias regiões provavelmente por causa da nossa poluição química e eletrônica) são polinizadoras de diversos vegetais (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-misterioso-sumico-das-abelhas,671171,0.htm). Se elas sumirem, desaparecerão também, por exemplo, as maçãs.

Numa floresta virgem não existem pragas, já que todas as espécies são interdependentes e alimentam umas às outras. A diversidade do sistema previne contra a proliferação descontrolada do que quer que seja. Os adeptos da agroecologia tentam restabelecer esse equilíbrio sutil plantando vários tipos de plantas, integrando a lavoura à criação de animais, preservando fontes hídricas e áreas de vegetação natural. Quando a terra está sadia, é possível dispensar adubos químicos e venenos.

No meu quintal tento seguir esses preceitos em escala micro. Aos poucos vão crescendo árvores que ninguém semeou, como uma goiabeira do lado de cozinha e uma embaúba perto do muro. Sonho em cultivar uma agrofloresta urbana em plena SãoPaulo e assim continuar colhendo ervas, hortaliças e legumes no meio das árvores e acolhendo os bichinhos que aparecem.

Mas nem sempre é fácil a convivência com os liliputianos. Pulgões às vezes estragam os pés de couve e os passarinhos pisoteiam as mudas recém-plantadas quando vêm caçar minhocas. As lagartas de fogo aparecem no final do verão e já sofri queimaduras. Semana passada foi a vez de lesmas gigantes atacarem as folhas das palmeiras. Às vezes expulso a galera com jatos d’água ou borrifando limonada, pimenta ou alho batido. Tem também os pernilongos, contra quem pusemos tela e plantamos citronela. Quando começam a picar, corto umas folhas e jogo no chão. O cheiro é gostoso e eles se mandam. 

Cada vez mais, tento observar e entender os ciclos dos bichinhos para tentar uma convivência pacífica. Já aprendi que plantar flores junto com os comestíveis é ótimo para atrair inimigos naturais de quem gosta de devorar a colheita. E fica lindo!

 

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