93. Como nascem os celulares

A fabricação dos aparelhos moderninhos começa da forma mais primitiva, devastadora e injusta que existe. Esse é o tema do documentário “Blood in the Mobile”.

Nossos celulares contêm dezenas de metais. Alguns velhos conhecidos, como chumbo, cobre e prata. Outros são elementos de nomes exóticos, como paládio, rutênio e columbita-tantalita (esse último apelidado de coltan). Para consegui-los, a mineração tem ocorrido do jeito mais primitivo que existe. Ou seja, moendo seres humanos e degradando toneladas de chão para obter literalmente alguns gramas desses elementos conhecidos no métier industrial como terra rara.

A indústria eletrônica nos brinda com anúncios descolados que prometem uma vida pós-moderna e ultraconectada, onde tudo é diversão e alta tecnologia. No entanto, os aparelhos começam a ser fabricados em locais distantes dos olhos da mídia onde pessoas desprovidas de tudo trabalham em condições piores do que a dos escravos que construíram as pirâmides do Egito.

Esse é o tema do documentário “Blood in the Mobile” (Sangue no Celular), do dinamarquês Frank Poulsen. Proprietário de um Nokia, durante dois meses ele tentou contato com a empresa para saber de onde eram retirados os componentes de seu aparelho. Sem resposta, embarcou numa viagem perigosíssima à mina de cassiterita de Bisie, no interior do Congo. Lá encontrou falta até de água para beber e adolescentes trabalhando em buracos sob a mira de metralhadoras. Enquanto o filme não chega a um cinema ou locadora perto de você, aí vai o trailer: watch?v=wQhlLuBwOtE. Mais informações sobre os bastidores na matéria do Estadão: http://blogs.estadao.com.br/link/tecnologia-consumo-e-dor/.

Com a repercussão de “Blood in the Mobile” e a pressão da ONG “Make IT Fair” (Torne a Tecnologia da Informação Justa) http://makeitfair.org/ , empresas como Nokia, Motorola, Sony, Telefônica, Ericsson, Microsoft, Dell e Philips, entre outras, estão começando a se mexer. A intenção é tentar barrar as matérias primas provenientes de regiões de conflito. Enquanto isso, a China vai ocupando esse mercado e dá mostras de que pretende usar politicamente suas preciosas reservas. Mais detalhes em http://idgnow.uol.com.br/computacao_corporativa/2010/10/06/dispositivos-eletronicos-podem-ser-afetados-pela-ausencia-de-metais-especiais/.  

Mesmo sendo bem ignorante em questões tecnológicas, tenho sugestões para os fabricantes de equipamentos eletrônicos:

  • Manter boas redes de assistência técnica e simplificar ao máximo a vida de quem tenta consertar um aparelho;
  • Tornar possível o upgrade de versões anteriores dos aparelhos, para que os mais antenados não precisem ir às compras toda hora;
  • Criar sistemas eficientes de logística reversa que permitam reutilizar todos os componentes das máquinas antigas em novas, reduzindo ao máximo a necessidade de extrair recursos da natureza;
  • Conhecer melhor os próprios fornecedores, convocar auditorias e acompanhar de perto toda a cadeia produtiva, da mineração à loja;
  • Garantir rendimentos e condições de trabalho dignas para todos os envolvidos na indústria, a começar pelos trabalhadores das minas;
  • Explicar aos consumidores que eles são corresponsáveis pelos impactos ambientais e sociais provocados pela fabricação, uso e descarte dos aparelhos que adquirem. E que vale a pena pagar mais para evitar o envenenamento do planeta e a exploração de seres humanos.

No caso das pessoas físicas, minha proposta é não fingir ignorância e ter em mente que cada novo gadget traz consigo um rastro de destruição e injustiça. Como hoje em dia ficou complicado viver sem as maquininhas, precisamos consumir menos e pressionar a indústria a agir melhor.

Ninguém melhor do que a Annie Leonard para esclarecer dúvidas sobre esse assunto. Não perca “The Story of Eletronics” (A História dos Eletrônicos): watch?v=MPWgqkIVgbw

One thought on “93. Como nascem os celulares

  1. Oi Claudia,

    Do ponto de vista técnico é perfeitamente possível criar tecnologias do bem e processos que reaproveitem a maior parte do material anteriormente utilizado em um aparelho eletrônico. Assim como é possível readaptar carregadores e periféricos.

    Lembra do relógio de pulso automático, que nunca precisava trocar baterias e portanto não gerava poluição ambiental? Eis um bom exemplo do caminho a ser retomado…

  2. Minha sugestão é partir para a guerrilha light:

    Juntar uma quantidade enorme de sucata eletrônica e, todos os dias, entregar uma boa quantidade destas na casa dos diretores e presidentes das empresas de celulares.

    1. Quando a ganância e o imediatismo se encontram, o lado escuro da força prevalece. Para as empresas, é mais fácil e mais rentável o descarte contínuo, já que consertar e recondicionar componentes dá mais trabalho e fica difícil cobrar bastante. Com uma lata de lixo verde na loja, ainda posam de bonzinhos. E o consumidor, que também é ansioso e gosta de aparelhinhos novos em folha, sai feliz e sentindo-se quites com o meio ambiente. Muito boa a ideia da guerrilha light.

  3. Fica difícil um descarte ecologicamente correto quando o fabricante não facilita ou se programa para esse momento: o fim da vida útil do produto, seja por de feito ou por falta de funcionalidade.
    Exemplo: procurei a electrolux para saber aonde poderia devolver um purificador de água semi-novo, com falta de pecas para reparo, e a resposta foi: -” joga no lixo”.
    mas consegui desmontar e com as laterais fazer 2 bandejas para doces!

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