106. Eu fui na Rio 92

Ainda guardo a credencial de jornalista que há 20 anos usei no maior evento sobre desenvolvimento sustentável já realizado. Agum dia vou mostrar aos netos.

Como editora da Revista Capricho, em 1992 escrevia para adolescentes sobre namoro, estudo, amizade, menstruação, dramas existenciais e… ecologia! Quando soube que iria acontecer a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, vulga Eco 92 (na época era assim que todo mundo no Brasil chamava o evento), pedi credenciamento e convenci a chefa Mônica Figueiredo a me deixar ir. Maravilhosa, além de me esquecer lá 15 dias, ela ainda deu o sinal verde para a Ciça Lessa embarcar comigo. Considerando que o foco da revista era outro e a expedição das duas jornalistas rendeu apenas três páginas de cobertura e mais algumas pautas para edições futuras, pode-se ter uma ideia de como a verba das redações tinha mais folga e havia mais tempo para investir em reportagem décadas atrás. Mas isso é outro assunto…

Bom, chegando ao Rio nos juntamos à tribo multitudo que ali se reuniu querendo construir um futuro melhor para todas as formas de vida. Pessoas de todas as cores e idades provenientes de cada canto da Terra. Na verdade, o que aconteceu em junho de 1992 não foi um só evento, mas dois bem distintos.

As delegações oficiais se instalaram no Riocentro, em Jacarepaguá. Do Earth Summit (apelido internacional do encontro) saiu a Declaração do Rio, a Convenção das Mudanças Climáticas, a Convenção da Biodiversidade e a Agenda 21. Todos documentos de altíssima importância que os governos vêem enrolando para não cumprir há exatas duas décadas. Em 13 de junho de 1992, 114 Chefes de Estado almoçaram juntos e posaram para fotografias. Até então, nunca tantos reis, ditadores, primeiros ministros e presidentes tinham se encontrado e não sei se a marca foi batida posteriormente. O Centro de Convenções carioca se tornou território da ONU, com clima solene e cardumes de engravatados. O gabinete do então Presidente Collor transferiu-se de Brasília para um cercadinho de paredes de fórmica, com a tradicional fila de políticos na porta. Eu e a Ciça achamos aquele lugar chato, muito chato.

Já no Aterro do Flamengo nos sentimos em casa. Era ali o Fórum Global (precursor do Fórum Social), uma enorme feira/quermesse com barraquinhas das mais variadas ONGs e grandes tendas brancas onde aconteciam simpósios. Figurino comum: camiseta + bermuda + mochila + sandália de couro ou bota de caminhada + garrafinha d’água retornável. Passávamos nossos dias andando para lá e para cá, vendo as coisas mais loucas e mais maravilhosas. Lembro de um casal canadense fazendo o almoço num fogão de energia solar. De arquitetos japoneses apresentando a maquete da “cidade ecológica” composta por apenas um altíssimo prédio onde 1 milhão de pessoas viveriam e trabalhariamem plena Floresta Amazônica, sem nunca precisar descer ao térreo. De jogar com estudantes de várias nações uma espécie de War da Sustentabilidade cujo mapa ocupava uns 100m2. De ir à praia do Flamengo esperar a chegada de um veleiro com jovens de várias partes do mundo. De conversar um tempão com uma menina da África que me presenteou com o “sino da paz”, hoje perdido em algum canto da minha casa.

Para mim o momento mais emocionante foi encontrar Jacques Cousteau. No espaço do Fórum carros eram proibidos, mas o velho mergulhador já não conseguia caminhar muito. Chegou no único automóvel a passar por ali, bem devagarinho. A ecomultidão ia abrindo passagem e aplaudindo. Nós, que estávamos dentro da tenda esperando a palestra, percebíamos a aproximação pelo barulho das palmas. Quando Jacques entrou, todos se levantaram e aplaudiram por mais um bom tempo. Emocionadíssimo, ele não conseguiu dizer quase nada. Lembro perfeitamente do início do discurso, num inglês vagaroso e carregado de erres franceses: “My frrrriends frrrom alll overrr the worrrld, continuem fazendo o que vocês estão fazendo. Eu não sou um bom ecologista porque viajo muito de avião e os aviões consomem muito combustível…”

Como meu pai é pescador e apaixonado pelo mar, os documentários de Cousteau talvez tenham sido o meu primeiro contato com a ecologia. Jacques, que morreu 5 anos e 1 mês depois da Rio 92, naquele momento estava passando o bastão. E eu me senti parte da longa linhagem de seres humanos envolvidos com a causa da defesa da vida.

Ter participado da Rio 92 não me transformou em ambientalista. Ao contrário, só fui parar lá porque já estava muito ligada no tema. Mas valeu muito. Numa época sem Facebook, era praticamente impossível encontrar pessoas de outras partes do mundo com as mesmas afinidades. Voltei com mais vontade ainda de descobrir maneiras de viver bem causando menos impacto no meio ambiente. Uma transição que ainda está acontecendo e continuará enquanto eu estiver aqui nesse planeta.

Estou acompanhando as notícias sobre a preparação da Rio + 20 e da Cúpula dos Povos (http://cupuladospovos.org.br/; http://kakawera.blogspot.com.br/2012/04/cupula-dos-povos.html?spref=fb), que acontecerá justamente no Aterro do Flamengo. Há inclusive um comitê paulista ativíssimo (http://riomais20sp.wordpress.com/). Já não tenho 26 anos e confesso que a ideia de ir ao Rio de Janeiro em junho me dá uma certa preguiça. Porém, até lá tudo pode acontecer, não é?

One thought on “106. Eu fui na Rio 92

  1. Olá,
    Eu sou aluna do Curso de Gestão Ambiental da universidade de Brasília e já estou de passagem comprada para Rio+20 estou super empolgada e espero que seja maravilhoso para mim como foi para você em 92!! Beijos

  2. Claudia, lendo agora sobre sua passagem na revista Capricho é que me toquei do porque achava que seu nome me era familiar, rsrsrs. Eu era leitora da capricho nessa época com 17 anos. Fui na Rio 92 em um dia mas confesso que não por motivos ambientais, mais pela empolgação mesmo, assim como fui para as ruas com a cara pintada gritando “fora Collor” sem o mínimo de reflexão, ou seja, era adolescente.

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