109. Por que os orgânicos são tão caros?

8 fatores explicam o preço mais alto dos alimentos sem agrotóxicos. E nada explica o conformismo diante do alto custo ambiental, social e de saúde pública que vem de brinde com a agricultura baseada em aditivos químicos.

Ninguém, em sã consciência, prefere comida com agrotóxico, mas os orgânicos no Brasil ainda são bem mais caros, o que deixa muita gente inconformada. Outro dia assisti a uma ótima palestra do agrônomo e pesquisador Wilson Tivelli, da Estação Experimental São Roque (ligada à Secretaria Estadual da Agricultura), que explicou brilhantemente essa questão. Aí vai um resumo dos argumentos de Tivelli (veja o artigo original aqui: http://www.aptaregional.sp.gov.br/index.php/component/docman/doc_view/1182-organicos-sao-caros-por-que?Itemid=275) misturados com o que aprendi sobre o assunto nos últimos tempos.

1 – Eles demoram mais para amadurecer
A agricultura orgânica consegue nível semelhante de produção por metro quadrado à da lavoura que usa adubos artificiais e agrotóxicos. No entanto, os alimentos se desenvolvem mais devagar. A cenoura orgânica, por exemplo, é colhida por volta de 116 dias após a semeadura enquanto a versão com aditivos químicos fica pronta em 97 dias. Ou seja, a safra ocupa a terra por mais tempo. E tempo é dinheiro.

Por outro lado, essa desvantagem comercial torna os orgânicos mais nutritivos e saborosos, pois vão extraindo da terra nutrientes mais variados e em maior quantidade. Enquanto os vegetais cultivados à base de compostos químicos sintéticos recebem basicamente apenas três macronutrientes -nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K) – os adubos orgânicos oferecem toda uma tabela periódica em sua lista de ingredientes.

2 – Certificação
Por incrível que pareça, não há fiscalização obrigatória nas lavouras que usam agrotóxicos. Os abusos, ultrafrequentes, são descobertos pela ANVISA (Agência de Vigilância Sanitária) apenas ao recolher amostras de alimentos em supermercados. Para sentir o drama, é só clicar nesse link: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,pimentao-e-o-campeao-do-agrotoxico-mostra-estudo-da-anvisa,355203,0.htm.

Já o produto orgânico precisa ser certificado. Ou seja, o produtor deve arcar com a auditoria anual de sua propriedade, o que custa em média cerca de R$ 3 mil. Existem outras formas de certificação por meio de cooperativas que, embora sem custo fixo, demandam bastante tempo e dedicação, desviando o agricultor de sua função principal.

3 – Período de conversão
Um agricultor convencional que resolve virar orgânico passará por um tempo de vacas magras, pois sua terra está “viciada” em produtos químicos e não é fácil recompor a fertilidade utilizando recursos naturais. Durante essa fase, não há nenhum tipo de financiamento governamental que permita ao produtor sobreviver até conseguir safras melhores. No campo, essa talvez seja a principal barreira à adoção do sistema orgânico. Ou seja, existe muita gente querendo sair do esquema convencional, mas não consegue por razões financeiras de curto prazo.

4 – Falta de crédito
No Brasil não existem linhas de finaciamento voltadas para a agroecologia. Parece mentira, mas para conseguir liberação de dinheiro no banco, o produtor precisa mostrar a nota fiscal comprovando que adquiriu agrotóxicos. Veja com seus próprios olhos o depoimento deles no documentário “O Veneno está na Mesa”, de Silvio Tendler, e aproveite para ampliar seus conhecimentos sobre o tema. O filme está totalmente livre para cópia e veiculação: http://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGg.

5 – Barreira de isolamento
De acordo com a legislação atual, quem usa substâncias potencialmente tóxicas na lavoura não precisa se preocupar com os resíduos que deixa na atmosfera, na água e no solo, além de estar isento de responsabilidade caso seja comprovada a contaminação de um trabalhador. Para completar, nada o impede de borrifar agrotóxicos até o limite de sua propriedade, mesmo sabendo que a pulverização invadirá o território alheio.

Já o produtor orgânico precisa manter uma faixa de vegetação robusta e alta para isolar seu cultivo da química dos vizinhos. Ou seja, uma parte de sua propriedade não pode ser utilizada para plantar alimentos, o que reduz a produtividade.

6 – Menor escala de produção
O agronegócio convencional privilegia a monocultura. Assim, terrenos imensos são ocupados por uma única espécie (algo muito atraente para pragas e doenças, pois, quando o invasor encontra esse farto banquete, se dissemina em altíssima velocidade). No sistema orgânico dá-se preferência ao plantio conjunto de várias espécies vegetais e ao consórcio com a criação animal. Desse modo, é mais rica a produção interna de adubo (feito com esterco e sobras vegetais) e mais eficiente o controle das espécies indesejáveis.

No entanto, uma propriedade com vários cultivos emprega maior número de trabalhadores e há menor possibilidade de mecanização. Outro complicador do ponto de vista comercial é que, ao ter quantidades pequenas de diferentes produtos para oferecer ao mercado, o produtor orgânico perde poder de barganha.  

Um detalhe, porém, não deve ser esquecido: do ponto de vista socioambiental, essas aparentes desvantagens são muito positivas.

7 – Ganância dos supermercados
Grandes varejistas investem bastante em pesquisas sobre hábitos de consumo e logo descobriram que as pessoas com maior poder aquisitivo e nível de instrução são as que mais consomem orgânicos. Encontraram aí uma excelente oportunidade de inflar preços e foi o que fizeram. Uma pesquisa do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) realizada em 2010 flagrou uma diferença de preços de até 463% num mesmo produto orgânico (http://www.idec.org.br/em-acao/revista/142/materia/quer-pagar-quanto). Para quem busca alimentos sem veneno por preço em conta, as feiras de orgânicos são a melhor alternativa (procure aqui: http://www.slowfoodbrasil.com/textos/noticias-slow-food/504-voce-conhece-as-feiras-organicas-da-sua-cidade), seguidas pelos esquemas delivery (para saber mais sobre essa opção: http://conectarcomunicacao.com.br/blog/98-diga-adeus-aos-agrotxicos/.).

8 – Falta de assistência técnica e pesquisa
Antigamente existiam no país as redes de assistência rural financiadas pelo governo. Aos poucos, o poder público foi abandonando essa importante função e deixou o espaço livre para os fabricantes e revendedores de adubos sintéticos e agrotóxicos. Assim, quem dá orientações técnicas aos agricultores hoje em dia são os vendedores dessas fórmulas. Claro que eles não têm interesse nenhum em ajudar quem não consome seus produtos. Além disso, nas faculdades de agronomia predomina o ensino da agricultura baseada em insumos químicos, gerando carência de profissionais que sabem cultivar a terra sem apelar para eles. Para complicar de vez a situação da agroecologia, entidades como a FAPESP, o CNPQ e a CAPES não costumam liberar bolsas de estudos para quem se propõe a estudar agricultura orgânica e familiar.

Com tudo isso, dá para ver que os alimentos convencionais, aparentemente mais baratos, na verdade saem muito caro. Em seu preço não estão computados:

  • O custo social representado pelo abandono do campo e inchaço das periferias urbanas;
  • O custo em termos de saúde pública que tem origem no enorme número de pessoas intoxicadas pelos agrotóxicos, seja de forma aguda ou crônica (câncer, doenças neurológicas e endócrinas entre outras);
  • O custo ambiental devido à contaminação química do ar, da água e do solo, à perda da fertilidade do solo e da biodiversidade.

Do dia para a noite não haverá solução mágica para levar orgânicos baratos à mesa de todos os brasileiros. Mas já existem esquemas alternativos e mais acessíveis para adquiri-los (veja acima o exemplo do delivery e das feiras orgânicas) e outros virão por aí.

A gente pode e deve brigar para virar esse jogo. Temos o direito de exigir que o dinheiro público seja investido num modelo agrícola mais justo e sustentável, em vez de virar subsídio para os agrotóxicos, que, aliás, têm isenção de impostos!

One thought on “109. Por que os orgânicos são tão caros?

  1. nao temos mais mais oque comentar a respeito ! todos sabem que isso nada mais e do que um discaso ,um desrespeito aos direitos ambientais ,direitos dos contribuintes , pagamos impostos carissimos , entre outros ,pedagios ,taxas bancarias , etc… e o resultado esperado seria no minimo satisfatorio oque nao ocorre ! ou nosso dinheiro esta sendo muito mal administrado , o que nao acredito, ou estamos sendo lesados de forma transparente e desrespeitosa , mas esta pequena massa administrativa tem que se envergar diante do peso do povo , afinal de contas se nos temos um administrador em uma empresa que nao nos satisfaz nos o demitimos porque a situaçao e diferente aqui , DEMOCRACIA e isso ou estou errado ,quem governa e o povo pelo povo e para o povo estes sao apenas representantes , entao podemos mudar o quadro , pois sem esforço nao se faz a diferença e contimuaremos na situaçao de inercia diante do qquadro .

  2. Cláudia, realmente os orgânicos costumam ser mais caros. Mas nem sempre. Moro em Brasília, e nos verdurões tradicionais raramente encontro uma fruta por menos de R$3,00 o kg. A laranja Bahia orgânica que compro do meu fornecedor está R$3,00/kg. No verdurão, R$2,90. A manga coquinho do meu fornecedor também custa R$3,00 o kg (tudo bem que ela tem muito caroço). A mais barata no verdurão é R$3,50. O abacate está pau a pau.
    É verdade que nos sacolões, na Seasa ou em dias de feira nos supermercados dá pra achar uns vegetais bem em conta. Mas pra quem frequenta as mercearias tradicionais, sinceramente, compensa mais pedir delivery de orgânicos. Esta semana fui à frutaria, 5 frutas (3 mangas e 2 pêras) saíram por R$10,00. Tudo com veneno.
    E o resto, que realmente é bem mais caro (tomates, leite), a gente paga com prazer, com a grana que economizamos consumindo menos coisa inútil.
    Beijos e parabéns por mais um post tão esclarecedor.

    1. Lia, muito legal seu relato. Realmente, procurando a gente encontra soluções para se alimentar de modo saudável e sem veneno. Estou bem cansada de pessoas que vociferam contra a alface R$ 1 mais cara e se entopem de roupas caras e bugigangas que nunca vão usar. Tudo é uma questão de escala de prioridades… Mas, paralelamente, temos que agir de modo coletivo e político para o mercado de produtos agroecológicos se fortalecer. Um grande abraço! Claudia

  3. Os alimentos orgânicos fazem um bem danado a nossa saúde. Pena que vai para a mesa de poucos, ou seja, somente da classe AAA tem como comprá-los. A maioria dos “plebeus” que ganham um salário de fome, já tá muito dificil comprar frutas, verduras e legumes (com “veneno”), imagina compra-los sem??? Num país onde a agricultura familiar não tem incentivo algum por parte do governo, a não ser que seja para exportação e ir para a mesa de “brancos de olhos azuis”, o alimento orgânico e saudável será realidade distante de maioria das famílias brasileiras. Quero um mundo saudável mas não quero pagar R$ 1 a mais por isso!!!

    1. Carlos Eduardo, veja no post o link do levantamento do Idec. Já existem locais vendendo produtos orgânicos MAIS BARATOS do que os com agrotóxicos. Também existem muitas iniciativas voltadas à segurança alimentar na periferia que disseminam hortas orgânicas (pesquise http://www.cidadessemfome.org.br). Em 12/5 das 9 às 11h haverá uma minioficina GRATUITA no Parque da Água Branca sobre articulação entre consumidores e produtores da região da Guarapiranga para oferecer orgânicos por menor preço para a população. Informações em contato@aao.org.br. Só reclamar não adianta…

  4. Esse negócio de horta orgânica é muito bom. Meu sogro por exemplo, tem um terreno em São José dos Campos/SP, onde ele mesmo planta hortaliças, frutas e legumes sem qualquer tipo de agrotoxicos. Eu pelo menos só pego couve, alface, tomate tudo dele. O gosto dessas hortaliças são ótimas e não tem aquele gosto amargo, que consequentemente você está tomando “veneno por tabela” (rs). Porém nem todos tem essa oportunidade. A ganância dos supermercados (Abílio Diniz e APAS) aliada à falta de uma política pública de incentivo a produção de alimentos orgânicos, empurram os preços para as nuvens. Existia até certo tempo atrás, no Centro de Osasco existia o “Feirão do Alimento Orgânico” em frente a estação da cidade, onde os preços eram subsidiados e a população poderia comprar os alimentos “sem veneno” a preços baixos, porém essa idéia foi abandonada. A população DEVERIA exigir a volta desses feirões, não só em Osasco como em todo o país. Como você mesmo diz, “só reclamar não adianta”, devemos pressionar nossos governantes a investirem, dando incentivos financeiros a produção do alimento saudável e não de alimentos que podem nos trazer problemas de saúde daqui algum tempo.

    1. Estou envolvida com o movimento da agroecologia, que está tentando de todas as formas fazer florescer o comércio alternativo de orgânicos. E também incentivar a volta desse costume de plantar em casa. Muito legal a experiência do seu sogro! Esse final de semana tem feira de orgânicos do MST na R. 13 de Maio, 540. Começa às 16h e os preços são bem melhores. Não tenho nenhuma ligação com o MST, mas fico sabendo dessas programações… Não conseguirei ir. Se vc for, depois me conta. Abs e ótimo final de semana!

  5. Claudia parceira querida, obrigada por enriquecer meu universo com tanta informação boa e com esperança e amizade! Vamos seguir na nossa luta. Avante!. beijos

  6. Olá,
    Pensando em quem estará na Rio+20 e Cúpula dos Povos, em quem mora no Rio e em quem for visitar a cidade, o Slow Food lançou o guia gratuito “Rio de Janeiro – 100 Dicas Slow Food”. Em formato de bolso e de fácil utilização, ele está dividido pelos bairros cariocas e reúne recomendações de botecos, bares, feiras e restaurantes – dos mais simples e acessíveis ao mais sofisticados. O guia também reúne projetos sociais inovadores, desenvolvidos em comunidades carentes, voltados para a agricultura e a culinária. Gostaríamos de lhes convidar a baixar a versão digital da publicação e saiber mais: http://www.slowfoodbrasil.com/textos/noticias-slow-food/540-slow-food-lanca-guia-100-dicas-no-rio-de-janeiro
    Se puderem, por gentileza, ajudem a divulgar.

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