127. O que será feito com o lixo de São Paulo nos próximos 20 anos?

Para descobrir a resposta e tentar interferir nos rumos da metrópole, participei da 4ª Conferência Municipal do Meio Ambiente como representante (eleita) da população do subdistrito de Pinheiros.

Foram três dias de muito trabalho e aprendizado. Em primeiro lugar, me chamou a atenção que o engajamento dos cidadãos das regiões periféricas era bem maior. Mais adiante ficará claro o motivo. O encontro abordou unicamente o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Cidade de São Paulo. Não começamos do zero. Muito ao contrário, todas as discussões se pautaram por um documento de 60 páginas escrito a partir de reuniões realizadas nas 31 subprefeituras, oficinas temáticas, grupos de trabalho inter-setoriais e propostas da equipe técnica da prefeitura. Um processo bastante democrático, porém pouco divulgado.

Só para ter uma ideia do desafio, atualmente menos de 2% dos resíduos coletados pela prefeitura vão para a reciclagem. Mais de 98% têm os aterros como destino, o que representa um enorme problema ambiental e desperdício de recursos. A meta para 2032 é dar um fim mais nobre para 70% dos resíduos (30% continuarão indo para os aterros). A conferência se concentrou nas estratégias para alcançar esse objetivo, que não foi questionado.

Além dos delegados da sociedade civil, havia representantes do empresariado e do poder público. Todos com direitos iguais a voz e voto. Cada delegado poderia escolher uma sala temática e lá fui eu para a dos Resíduos Orgânicos, ou seja, tudo aquilo que a natureza produz e, se deixarmos, ela mesma sabe reciclar lindamente transformando em adubo. Estou falando de restos de comida, podas de árvore, talos, caroços, folhas secas, madeira, serragem etc que representam 51% do lixo produzido em SP. Assunto totalmente ligado à agricultura urbana e às hortas comunitárias, já que usamos exclusivamente composto orgânico e esterco como adubo.

Fechados numa sala sem janela durante todo o sábado de sol, debatemos e alteramos as 23 diretrizes, objetivos, estratégias e metas apresentadas para os orgânicos que, no documento final, se tornaram 31. Nada fácil abdicar do fim de semana para trabalhar duro e sem remuneração em prol do coletivo, mas a oportunidade de propor mudanças no texto da lei e ver que elas foram realmente incorporadas compensou o esforço.

Logo no início dos trabalhos, percebi que valeu a pena participar desde 2012 do Grupo Pró-Viabilização da Compostagem em São Paulo, uma rede de pessoas interessadas em promover essa prática e não uma ONG ou grupo institucionalizado. Graças em parte à nossa militância em favor da compostagem, tanto no Programa de Metas da gestão Haddad quanto nesse PGIRS (sigla do tema da conferência), ganhou força a ideia de que a cidade deve compostar aqui mesmo os resíduos orgânicos que gera. A discussão passou a ser sobre a melhor forma de fazer isso.

Nesse ponto abandono o relato do evento para refletir sobre os próximos passos. Quem tiver interesse pode ler todo o PGIRS, que será disponibilizado e colocarei o link aqui.

Um ponto importante do plano é que São Paulo em breve vai ganhar quatro grandes Centrais de Processamento da Coleta Seletiva (para os resíduos industrializados) e imensas Unidades de Compostagem. Ou seja, de modo geral o município adotará  soluções macro para seu lixo nos próximos 20 anos.  Isso implica em investimentos volumosos, caminhões de coleta que continuarão circulando intensamente e concentrar as concessões em grandes empresas.

A opção pela larga escala, que os técnicos da prefeitura dizem ser incontornável, na minha opinião tem maior risco de prejudicar a qualidade do produto final. Explico usando como exemplo os resíduos orgânicos: quanto maior a quantidade, mais difícil o controle. Aqui em casa, tomo precauções máximas com a compostagem porque ela vai gerar o adubo para a minha horta e eu vou comer os alimentos que vierem dela. Mas quem garante que a população será extremamente cuidadosa se continuar podendo jogar o que quiser num caminhão que vai embora para longe? E se, por descuido ou má intenção, contaminantes como carcaças de animais, pilhas, baterias e outros produtos tóxicos forem depositados junto com o lixo da cozinha? Uma única lata de tinta  poderia contaminar mais de uma tonelada de composto orgânico. Quais mecanismos seriam adotados para impedir que isso aconteça?

Outro ponto muito delicado: a centralização das soluções do lixo gera injustiças territoriais. Nas regiões mais ricas, onde a produção de resíduos é maior, não há aterros e provavelmente não serão instalados centros de triagem ou de compostagem. Moro em Pinheiros e os caminhões de coleta levam embora tudo o que recolhem aqui. Mas o distrito de São Mateus, na Zona Leste, já possui quatro aterros e agora está em estudo a instalação do quinto. Aliás, nos bairros “bons” da cidade, todo muito acha ecochique reciclar, mas a população sequer admite que cooperativas de catadores se instalem.

Pessoalmente, sou uma adepta da descentralização de tudo, baseada na filosofia do Small is Beautiful (que explico nesse post: http://conectarcomunicacao.com.br/blog/49-beleza-pequeno/) . E da extinção do lixo, baseada na ideia do movimento Do Berço ao Berço (http://conectarcomunicacao.com.br/blog/85-prxima-revoluo-industrial/).  Acredito que embalagens descartáveis não deveriam existir, com exceção do papel e papelão impresso com pigmentos vegetais, que vira adubo facilmente. Que todos deveriam compostar seus resíduos orgânicos. Que os supermercados deveriam vender a granel e os líquidos serem transportados em vidros retornáveis. Mas quando digo isso para amigos e empresários, a resposta em geral é: “Isso é impossível, não é prático, dá trabalho, ia complicar muito os negócios.” Desconfio que essa opinião mudaria radicalmente caso o tratamento do lixo ocorresse obrigatoriamente no local onde foi gerado. Se as garrafas PET, as fraldas descartáveis, as latas, os aparelhos eletrônicos quebrados e tudo mais tivesse que ser processado do lado da nossa casa, tentaríamos ao máximo não gerar lixo, não é? E o catador de materiais recicláveis seria o herói da vizinhança.

No ano que vem haverá revisão do Plano de Metas da prefeitura. Daqui a quatro anos, o PGIRS será revisto. A partir de agora, estou me aliando a quem tiver interesse em batalhar pela seguinte causa: BUSCAR SOLUÇÕES PARA QUE PROGRESSIVAMENTE OS RESÍDUOS ENCONTREM DESTINAÇÃO ADEQUADA (POR COMPOSTAGEM, PREPARAÇÃO PARA RECICLAGEM OU TRATAMENTO DE REJEITOS) DENTRO DAS FRONTEIRAS DE CADA BAIRRO.

One thought on “127. O que será feito com o lixo de São Paulo nos próximos 20 anos?

  1. Muito legal Claudia, você foi realmente ao cerne da questão!
    Acho que os técnicos da prefeitura tem preocupação e fazem o possível, obviamente dentro de um rol de possibilidade mais próximo da engenharia. Mas assino em baixo quando você fala em subverter a ordem espacial que condiciona o periferico ser subjugado a sociedade “autocentrica”. Aquela parte que tem permissão ($) para poluir.
    Usinas de compostagem realmente não é fácil, mas já existe alta tecnologia, principalmente na Europa. A logistica sem participação social é quase inviável. E a responsabilização dos geradores de resíduos é, com toda certeza, um dos passos a trilhar neste debate.
    Forte abraço e até breve.

    ps: fiquei sabendo a prefeitura está estudando composteiras domesticas para 2.000 residências. Talvez sirva como estimulo a este debate.

  2. Oi Cláudia, legal seu ponto de vista. Gostaria de ver o PGIRS com as propostas. O link não está funcionando e só encontrei o antigo.

  3. Boa tarde Claudia;

    Confesso que não tinha visitado esse blog antes, ao ver esse texto sobre os resíduos produzidos em São Paulo e o relato da participação na Conferência, estivemos juntas por lá, tomo a liberdade de enviar para você a Cartilha que editei no ano passado, como produto final do curso de Aperfeiçoamento em Educação Ambiental, organizado pela Unifesp, segue o link e se achar interessante, compartilhe com seus amigos.
    http://issuu.com/suelirodrigues5/docs/cartilha_unifesp_2_na_pagina_impres

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