Homens, mulheres, adolescentes e crianças ganham muito quando colocam a mão na massa e encaram as tarefas domésticas.
A propaganda tenta nos convencer a comprar produtos práticos. Em marquetês, praticidade significa adquirir algo industrializado e pré-pronto em vez de colocar a mão na massa. A vantagem embutida nesse tipo de oferta é ganhar tempo. Mas ganhar tempo para quê? Para assistir mais anúncios na televisão? Para adicionar mais amigos virtuais ao Facebook? Para ir ao shopping fazer compras?
É uma pena que o feminismo tenha deixado como efeito colateral a aversão ao mundo doméstico. Obviamente, o fim (ou melhor, o abrandamento) do patriarcado melhorou o ocidente. As notícias que chegam dos países árabes, da África e da China, imensos territórios onde as mulheres ainda passam por suplícios, não deixam sombra de dúvida. Nas últimas décadas, porém, passaram a ser malvistas tarefas como preparar uma refeição, arrumar os armários, pregar botões e lavar a louça.
Na minha opinião, homens, mulheres, adolescentes e crianças saem perdendo quando evitam os trabalhinhos humildes. São coisas deliciosas de fazer e que têm efeitos terapêuticos poderosos. Quando limpo (sem produtos tóxicos) e organizo a casa, faço faxina nos pensamentos e sentimentos. O almoço que preparo no fim de semana com os vegetais fresquinhos e orgânicos aqui do quintal é mil vezes melhor do que as gororobas congeladas servidas pela indústria alimentícia. Melhor até do que a comida delivery da lanchonete bacaninha. Melhor até do que enfrentar um restaurante lotado. Todo o processo de cozinhar e colocar a mesa em família nutre a alma e tempera os vínculos entre nós. Quando temos convidados, a alegria fica maior ainda.
Passo longas horas diárias pesquisando e escrevendo diante da tela do computador. Para recarregar as baterias, preciso cuidar da horta e passear com o Nino (meu cão), entre outros serviços braçais. Ontem mesmo, acompanhei minha filha Julieta numa atividade. Como sempre, levei um livro. No caso, uma obra-cabeça. Felizmente, tinha comigo agulha e linha e pude consertar a mochila, que estava arrebentando. Li um capítulo e depois fiquei meditando sobre ele enquanto costurava. O tempo voou e saí de lá muito mais disposta do que quando apenas leio.
As crianças de hoje já nasceram numa sociedade acelerada, hiperconectada e viciada em altas doses de diversão. Canais infantis transmitem 24 horas. Filmes 3D são lançados toda semana, assim como novas versões de games e gadgets. Meus filhos gostariam de preencher todos os minutos do dia e da noite com distrações eletrônicas, mas a gente coloca limites. Para eles, o vácuo de atividades, popular tédio, é difícil de encarar. E contribuições mínimas com as tarefas domésticas demandam grande esforço.
Aos poucos, eu gostaria de ensinar ao Alex e à Julieta como é bom plantar, cozinhar, lavar e costurar. Quero que eles saibam que nada cai do céu, como acontece no Playstation. Por enquanto, já está valendo a pena insistir em colocá-los em contato com a realidade mais simples e básica da vida. Lavar o carro, por exemplo, se tornou uma das brincadeiras preferidas do meu filho. Como o calor voltou, vamos fazer isso no próximo sábado (utilizando a menor quantidade possível de água).
OBS 1 – O livro que cito no quarto parágrafo é Small is Beautiful – Economics as If People Mattered, de Ernst Schumacher, economista alemão que viveu na Inglaterra. Trata-se de uma das principais obras do movimento ambientalista e estou adorando. O título já diz muito…
Oi Claudia, que texto bacana!
Tb estou descobrindo o prazer do trabalho manual. É todo um universo novo que se descortina ante meus olhos atônitos! 🙂 Para mim, esse processo começou com o advento do crudivorismo, que eliminou da minha existência todo um segmento do mundo industrializado. É uma delícia espremer o seu leite de amêndoas no filtro de voal feito pelas suas próprias mãozinhas.
Concordo com vc que tempo não é questão principal — tempo é uma questão de prioridades, em um certo nível. Mas, em outro, pode ser sim uma limitante: ganhei dos meus irmãos uma máquina de costura no meu aniversário do ano passado. Já fiz aniversário de novo e ainda não consegui aprender como ela funciona (sou totalmente analfabeta de linhas e agulhas). Mas a perseverança há de vencer! E já intimei a minha mãe a me ensinar um pouco das várias artes manuais que ela domina, começando pelo tricô.
bj gde, e obrigada pelo blog.
Luciana,
Minha avó era costureira e o pouco que sei aprendi apenas olhando o que ela fazia. Sou desajeitada e não tenho nem ideia de como funciona uma máquina de costura, embora esteja começando a sonhar em adquirir uma. Vou fazendo minhas experiências numa barra aqui, um ajuste ali. Quem sabe um dia a gente se encontra para jogar conversa fora enquanto trabalha com as mãos? Os papos nessa hora atingem dimensões inacreditáveis.
Seus comentários são sempre superbem-vindos ao blog!
Claudia
Claudia:
Nossas reflexões andam no mesmo caminho…
Fazer coisas com as próprias mãos para nosso consumo pessoal e fazer as coisas por intero, participando dos processos domésticos que viviam as avós.
Nas última duas semanas fiz pão em casa. É mágico ver a massa que amassei assada e que enquanto amassava sentia que driblava essa ansiedade louca que temos em relação ao tempo e a perda dele. Mesmo consciente de que devemos priorizar nossas escolhas, o reloginho contemporâneo do consumo em todas as dimensões fica batendo na cabeça: os livros que ainda não li, os filmes, as viagens, as coisas para a casa, as exposições, enfim, aquele sintoma da atualidade de que estamos sempre atrasados…
Além do pão desengavetei meu crochê. Embora fazendo menos do que gostaria, o efeito é o mesmo, driblar a ansiedade do tempo. E assim busco fazer coisas que estão por aqui, como o composto orgânico que finalmente desenterrei, penerei e usei, foi o maior prazer!!!
Teca
Boa Noite:), o meu nome é Joana estudo Engenharia Mecânica e gostei imenso do teu blogue! Muito linda sim senhora!
Adequa-se muito bem com tudo aquilo que aqui li.Existe sempre há imenso que regidir nos blogues!Nada nada mais satisfatório do que deixar a nossa marca espalhada pelo mundo!
Beijinhos 🙂
Oi Joana,
Obrigada pelo seu comentário!
Abs.,
Claudia