Embalados pela velocidade, jovens matam jovens na madrugada de São Paulo. E eu penso que está na hora de aposentar o culto ao automóvel.
Volto ao assunto carro mais cedo do que gostaria porque ele não me sai da cabeça. Dias atrás, relatei o encontro “Cidades, bicicletas e o futuro da mobilidade” (veja embaixo do post da horta) que apontou alguns caminhos para deixar a metrópole mais acolhedora para as bicicletas e os pedestres. Agora o noticiário foi tomado pela consternação devido à morte dos jovens Vitor Gurman e Carolina Cintra Santos, atropelados por carrões na madrugada paulistana.
De um lado, uma turma alega preconceito por parte de quem culpa o Porsche e o Land Rover pelas fatalidades. Como se a inveja pela situação financeira privilegiada dos atropeladores estivesse comprometendo o justo julgamento dos casos. Do outro, há quem torça para que as penas para Gabriella Guerrero Pereira e Marcelo Malvio Alvez de Lima (os atropeladores) sejam as mais severas possíveis.
Eu só espero que o momento traga sobretudo reflexão. Fico intrigada com o fato de vítimas e acusados terem perfis tão semelhantes. Mesma faixa etária, mesma situação social. Como ninguém é 100% bom ou mau, acho complicado tentar transformar uns em anjos e outros em demônios. Quem perdeu a vida (e também seus familiares e amigos justamente revoltados) provavelmente, como eu, já teve atitudes imprudentes no trânsito. E quem atropelou — assim como seus familiares, amigos e eu — também poderia ter perdido a vida num acidente de trânsito. Dito isso, afirmo que tenho enorme empatia por Vitor Gurman, que não cheguei a conhecer. Pelo que li nos jornais, ele estava abandonando o carro em prol das caminhadas e voltava para casa poeticamente a pé depois de uma festa.
Ambas as notícias provocaram colisões de ideias na minha mente e novas atitudes no meu cotidiano, que compartilho agora:
- Dirigir devagar – A atitude mais efetiva e imediata que podemos tomar para evitar acidentes é essa. Eu já comecei e tenho me sentido zen.
- Praticar a tecnodiversidade nas ruas – Quanto mais variarmos os meios de transporte, melhor. Para muitas pessoas (entre as quais me incluo), abandonar de vez o carro ainda não é possível. Mas vale a pena incluir no cotidiano trajetos percorridos de ônibus, metrô, bicicleta e a pé. Um motorista que também é pedestre e ciclista tende a respeitá-los mais.
- Ter carro não é tudo. A marca do carro não importa – Ao contrário do que afirma a publicidade, ninguém se torna melhor ou mais importante porque dirige um carrão importado. Como diz o sociólogo Eduardo Vasconcellos, precisamos combater a ideia predominante em nossa sociedade de que “quem não tem carro não tem valor”. (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110724/not_imp749125,0.php
- Tanques de guerra e carros de corrida são inadequados para as ruas e estradas – Os monstrengos do tipo SUV oprimem e atrapalham a visão dos demais. O Porsche, que vai de zero a 100km/h em 5 segundos, é um míssil difícil de controlar. Blindagens contribuem para a sensação de invulnerabilidade. Todas as opções anteriores tendem a nos fazer esquecer que nem sempre a violência está lá fora na forma de um bandido. Nosso comportamento e nosso equipamento no trânsito também podem ser muito violentos.
- As propagandas de carro cada vez me revoltam mais – Outro dia, o anúncio de um novo veículo mostrava uma mulher e sugeria que o dirigir o tal carro era como “estar de salto alto” no trânsito. Subliminarmente, respondia à insegurança feminina em relação à violência das ruas com a promessa de um carro mais robusto. Ou seja, numa batida o impacto maior ficaria para o outro. Não lembro a marca e, se alguém achar o anúncio, por favor me envie o link para eu reproduzir aqui.
- Educar para proteger a vida e escapar do culto ao automóvel – A combinação álcool + velocidade é mortífera e não adianta esperar o filho fazer 18 anos para ter essa conversa. Desde muito cedo as crianças vão incorporando o código de valores da família e do grupo social a que pertencem e não é à toa que, hoje em dia, muitos adolescentes acreditam que o ápice de sua existência iniciará quando finalmente chegarem ao volante. Essa mentalidade precisa ser questionada desde a primeira infância.
Vem aí 22 de setembro, o Dia Mundial Sem Carro (http://diamundialsemcarro.ning.com/).Vamos desligar os motores?