Evito ao máximo os alimentos industrializados, mas até pouco tempo atrás o Nino comia ração. Na verdade, ele passou os 11 primeiros anos de sua vida se alimentando praticamente só de ração. Eu, ativista da comida de verdade, não estava dando conta de cozinhar para a família humana e também para o filho-cachorro. E, bastante culpada, alimentava o Nino com ração “de boa qualidade” (aquela mais cara). Dizia a mim mesma para não ficar tão perfeccionista e sobrecarregada, afinal sou a agricultora, cozinheira, jardineira e lavadeira da minha casa, além de fazer mil outras coisa na vida. Até que fui obrigada a assumir a milésima primeira tarefa cotidiana: cozinhar para o cão.
Isso aconteceu porque, de repente, Nino teve uma diarreia que não ia embora. Na primeira crise, o veterinário medicou com uma injeção “para o fígado” e as coisas se normalizaram. Quando aconteceu de novo, fui para a consulta esperando o mesmo diagnóstico e remédio. Mas o vetê fez cara de desânimo e titubeou quando perguntei a causa. Recomendou um remédio humano para gases, sem muita convicção. Aí farejei o conflito de interesse: “Ele não pode falar mal de ração!”, pensei. Voltei para casa, não dei remédio nenhum e cozinhei um pouco de arroz branco com frango (aquilo que os não-vegetarianos comem quando ficam assim, né?). Em 24hs o problema sumiu. Aí fui estudar o site Cachorro Verde (http://www.cachorroverde.com.br/). A partir desse dia, adeus indústria transgênica da ração.
Isso já faz quase um ano. E o Nino, que vai completar 12 em dezembro, está musculoso e feliz com sua vida de atleta e natureba. Passeia duas vezes por dia, me acompanha correndo em curtos percursos de bicicleta, sobe e desce as escadas centenas de vezes, persegue passarinhos, caça ratos. Depois da mudança, já tentei dar apenas uma refeição de ração: a diarréia volta. Já tentei dar meia refeição de ração misturada com comida de verdade: dá gases. Já tentei colocar umas 7 bolinhas de ração junto com a comida caseira: sem problemas. Então compro um pacotinho de vez em nunca e eventualmente adiciono doses mínimas de ração como uma espécie de momento-junk-food. De resto, sou eu e as panelas.
Das três opções apresentadas pelo Cachorro Verde (dieta natural crua com ossos, sem ossos e dieta cozida), eu e ele nos demos melhor com a terceira. Não vou me atrever a resumir ou dar dicas, pois as orientações são muitas e detalhadas. Se tiver interesse, vai lá: http://www.cachorroverde.com.br/caes/dieta-cozida-para-caes/.
Mesmo usando ingredientes de boa qualidade, o rango caseiro sai bem mais barato do que ração. Olha só:
– Ele come cerca de 250 g por dia e 1 kg de “boa” ração custa cerca de R$ 30. Ou seja, R$ 7,5 por dia.
– Somando os ingredientes (1 kg de arroz integral orgânico quebrado no Instituto Chão está R$ 2, ½ kg de coração de frango sai por menos de R$ 10 e 1 ½ kg de acém moído por R$ 28, os legumes eu colho na horta ou uso as pontinhas e restos dos preparos para as refeições da família humana) são cerca de R$ 40 para duas semanas. Ou seja, menos de R$ 3 por dia.
Mas nem tudo são flores. Tem o trabalho de preparar comida toda semana. Tem a disputa pelo espaço no congelador, já que não possuímos freezer. Tem o trabalho de comprar ingredientes especiais para o Nino. Tem a dificuldade extra, para alguém quase vegetariano como eu, de preparar vísceras, ossos & cia. Principalmente, tem a dor na consciência por comprar pedaços de animais mortos para alimentar meu cão. Incrível o poder alienador da indústria alimentícia: antes de preparar a comida do Nino eu não tinha sentido na pele esse detalhe, embora a divulgação no ano passado das histórias de escravização de pessoas no Oriente para as atividades de pesca da indústria pet tenha me chocado (veja aqui http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/08/1662374-escravos-do-mar-sustentam-industria-de-pescados-usados-em-racoes-animais.shtml). Na época lembro de checar se a antiga ração tinha peixe entre os ingredientes e, se tivesse, teria trocado de marca na hora.
Enquanto cozinho para o Nino vou pensando nas injustiças. Num mundo em que falta comida para os humanos e a produção de carnes é responsável por tanta devastação, estou eu nutrindo o setor pecuário para alimentar meu querido carnívoro. Isso coloca em dúvida a possibilidade de futuros pets por aqui. Só que, enquanto o senhor Nino está firme e forte, vou criando novas receitas para ele e com ele do lado, mesmo que seja de madrugada, como já rolou…