140. Somos os Silva,o Povo da Selva

Vamos semear novamente nossas matas ou esperar o deserto nos engolir?

Era uma vez um país gigante coberto de florestas (de onde vinha toda sua riqueza), cujo povo chamava-se predominantemente Silva (que em latim significa selva). As árvores pareciam infinitas e durante séculos forneceram muita madeira. Pouco a pouco, porém, foram sendo substituídas por tanta lavoura de açúcar e café que deu para saciar a humanidade inteira. Até que chegou o tempo de ir lá fundo no território fazer pasto, plantar milho e soja para abastecer com ração transgênica os modernos homens, porcos, bois e galinhas.

Viver no mato não era mesmo o sonho de seus habitantes. Muito por ganância, arrancaram a vegetação natural de cada cantinho para tirar mais e mais carne, cana, commodity. Além da sede de lucro, outras engrenagens moveram a máquina de moer árvore. Uma delas, o trauma atávico dos antepassados forasteiros diante da selva assustadora. Já os antepassados nativos viviam muito bem na floresta, mas não eram “civilizados” e por isso foram enxotados até das árvores genealógicas. Quando o desejo de jogar fora a identidade indígena tropical turbinou-se pelo sonho de virar cowboy do Texas ou patricinha de Beverly Hills, lá se foram de vez as árvores.

Clareiras esparsas viraram imensas regiões desmatadas cada vez mais contínuas até que…  cadê a chuva?

A vontade de progresso foi tamanha que esqueceram um detalhe: só lugares como a Suíça recebem água das montanhas nevadas. Quem abastece o Brasil é a floresta. Sem floresta, não tem rio, não tem chuva.

E agora?

 

PARA SABER MAIS

76. O Código Florestal de cada um

amazoniaO Congresso Nacional deu seu voto a favor de um modelo de desenvolvimento baseado na concentração de terras e na dilapidação imediata das reservas naturais, pouco se importando com as gerações futuras. Mas podemos recusar o consumo de madeira e outros produtos ilegais da floresta.


No comércio brasileiro, madeira nativa proveniente de manejo florestal (ou seja, retirada conforme a lei) é exceção. Isso quer dizer que as cadeiras onde sentamos, os tacos em que pisamos e as vigas que sustentam nossos telhados são frutos do desmatamento criminoso ou bem antigos, confeccionados com árvores derrubadas antes de haver leis protegendo as florestas.

Quer ver um exemplo? Há alguns anos, eu estava procurando uma mesa de centro para minha sala. Gostei dos móveis de uma loja bacaninha na Vila Madalena e perguntei se ali se trabalhava com madeira certificada. A vendedora, fashion e descolada, disse sem piscar: “Claro que sim!”. Desconfiei da rapidez e concisão da resposta. Por isso questionei se ela sabia o que era certificação de madeira. Ouvi um “não” gaguejado. Tempos depois, foi construída a casa onde hoje moro com minha família. Durante a obra, eu me tornei uma dor-de-cabeça para o engenheiro, pois tentei de todas as maneiras impedir a entrada de madeira de desmatamento na obra e, mesmo no caso das madeiras de reflorestamento, evitar o desperdício desse material. Descobri com meus próprios olhos o que leio aqui e ali: na construção civil, a origem da madeira está longe de ser questionada e o uso exagerado é a regra.

Infelizmente, uma visão de desenvolvimento retrógrada e injusta prevaleceu na votação do novo Código Florestal. Detalhe trágico: naquele mesmo dia, foram assassinados José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, ativistas e líderes de um projeto agroextrativista sustentável no Pará. Mas nós podemos contestar essa decisão todos os dias, usando nosso poder de consumo, algo que, no mundo atual, tem se mostrado mais efetivo do que o voto. É preciso lembrar que só existe comércio de madeira ilegal porque as pessoas compram isso. Só existe pecuária e plantações de soja em áreas de desmatamento porque há mercado.

Então, acho que cada um deve consultar sua consciência e criar um Código Florestal próprio. O meu é esse aí:

  • Evito ao máximo adquirir produtos novos de madeira. Continuo com os que já possuo há anos e, se preciso de algo, dou preferência aos reformados, reciclados, doados. Em último caso, recorro aos itens feitos de bambu, eucalipto e pinus, que são renováveis;
  • Os “armários embutidos” da minha casa são simples prateleiras, sem fundo e sem portas, feitas de pinus.
  • Os tacos do chão foram feitos com cacos de madeira certificada destinada à exportação. Saiu bem caro e foi dificílimo encontrar o Elias, um dos raros fornecedores preocupados em cumprir a lei e não detonar o meio ambiente. Mas valeu a pena e soube que ele também trabalha com peças maiores. Aí vão os contatos: elias-rosa@hotmail.com e (11) 7611-8528;
  • Dou preferência absoluta aos orgânicos, já que os produtores do setor são obrigados a manter áreas preservadas em seus sítios e pelas 10 outras razões que estão aqui: http://conectarcomunicacao.com.br/blog/68-10-razes-para-optar-por-orgnicos/;
  • Eliminei a carne vermelha e controlo a quantidade dos outros ingredientes animais do meu cardápio. Não condeno quem coma, mas não preciso desse alimento e assim aproveito para diminuir a pressão para que os pastos e as plantações de soja se estendam sobre áreas de floresta;
  • Li com muita atenção o relatório Conexões Sustentáveis e coloquei na lista negra as empresas coniventes com fornecedores criminosos  (leia mais em http://conectarcomunicacao.com.br/blog/63-vivendo-em-paulo-destruindo-amaznia/ ). Minha “birra” vai terminar imediatamente quando essas companhias comprovarem ter mudado seus procedimentos;
  • Embora esse assunto não faça muito sucesso em rodinhas de conversa, costumo trazê-lo à tona.

Não vou falar sobre as implicações políticas e sociais da mudança no Código Florestal, pois há quem faça isso com muito mais competência. Recomendo:

Artigo da MIRIAM LEITÃO, no Globo e aqui:
A Terra se move http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2011/05/26/a-terra-se-move-382721.asp

Blog do LEONARDO SAKAMOTO, em especial os posts:
Sua vida pode ser melhor, mas o Congresso não deixa http://blogdosakamoto.uol.com.br/2011/05/30/sua-vida-pode-ser-melhor-mas-o-congresso-nao-deixa/comment-page-1/
Violência na Amazônia: falta coragem para resolver o problema http://blogdosakamoto.uol.com.br/2011/05/31/violencia-na-amazonia-falta-coragem-de-enfrentar-o-problema/

Artigo do JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO, no Estadão e aqui:
O polígono da violência http://blogs.estadao.com.br/vox-publica/2011/05/30/o-poligono-da-violencia/  

Vídeo do JOSÉ CLAUDIO RIBEITO (o ativista assassinado) no TEDxAmazônia: http://www.youtube.com/watch?v=XO2pwnrji8I