60. Embalagem zero

Na Inglaterra, uma família consegue viver sem produzir lixo. Em São Paulo, troco o supermercado pela feira para adquirir frutas de melhor qualidade e preço sem embalagem alguma. 

Nas últimas semanas falou-se da família britânica Strauss, que em 2010 produziu apenas um saco pequeno de lixo. Eles têm uma horta, transformam os restos da cozinha em adubo, levam seus próprios recipientes ao açougue, só usam baterias recarregáveis e inventaram mil e uma outras maneiras de não gerar resíduos. Seu site (www.myzerowaste.com) virou referência mundial sobre reciclagem e recebe mais de 70 mil acessos por dia. Apenas alguns brinquedos quebrados, lâminas de barbear, canetas e negativos fotográficos sobraram no ano passado. Para 2011, a meta é ainda mais radical: não ter lixo algum para jogar fora.

Richard, de 54 anos, Rachelle, de 38, e a filha deles Verona, de 9, levaram a sério a frase do Gandhi “Seja você a mudança que quer ver no mundo” e viraram meus heróis. Eles moram num lugarejo semirural em Gloucestershire, sudoeste da Inglaterra. Bem humorados, assinam os artigos do site como Mr Green, Mrs Green e Little Miss Green. Suas experiências estão se espalhando por todo o planeta e ajudando muitas outras pessoas a viver de forma mais sustentável e a fazer pressão política para que o sistema mude. No site, ensinam inclusive como cutucar as empresas para que se responsabilizem até as últimas consequências pelos resíduos que geram.  

Lembrei da família Strauss no último sábado, quando fui à feira. Estou retomando o hábito de comprar frutas frescas nesses mercados ao ar livre, pois ando indignada com o excesso de embalagens compulsórias que os supermercados nos empurram. Mesmo recusando bandejas de isopor no balcão de frios, pegando as laranjas uma a uma sem usar saco plástico e fazendo tudo o que posso para reduzir o lixo, nesses estabelecimentos a maioria dos produtos in natura só é vendida com o acompanhamento de invólucros artificiais.

Cheguei à feira armada com três sacolas de lona, recusei os saquinhos oferecidos e voltei para casa com banana, goiaba, abacaxi, mamão, maracujá, maçã e até um galho cheio de lichias. Todas as frutas nuas como vieram ao mundo. Depois de guardá-las, notei o milagre: não sobrou lixo algum! Como planto folhas, temperos, pimentão e pepino na horta de casa e os demais legumes vêm na cesta orgânica do Sítio a Boa Terra, os vegetais praticamente não geram resíduo por aqui (cascas, talos e sementes abastecem o minhocário e viram adubo).

Além das vantagens ecológicas de comprar na feira, o bom humor do ambiente faz muito bem. Ao recusar o saquinho em uma das barracas, ouvi: “Então quer dizer que a moça é ecológica!”. Confesso que, mesmo ciente da centenária habilidade dos feirantes em inflacionar a autoestima da clientela, o tal “moça” me deixou mais animada do que o “ecológica”. Afinal, estou completando 45 anos.

47. Queridas minhocas

Com um minhocário em casa a gente reduz o lixo e produz adubo natural de ótima qualidade. Não precisa ter nojo, pois as minhocas são lindas, simpáticas e limpinhas.

Em julho de 2009, fui visitar a Bio Brazil Fair (feira de produtos orgânicos e sustentáveis – http://www.biobrazilfair.com.br/2011/codigo/home.asp?resolucao=1024)  e encontrei um stand com minhocários domésticos. Comprei o kit ali na hora e ouvi com atenção as instruções. Levei para o carro três caixas de plástico grandes e um saquinho com um pouco de húmus e uma porção de minhocas.

No dia seguinte empilhei as caixas, instalei as meninas em sua nova casa e comecei a alimentá-las diariamente com talos de vegetais e outros restos da cozinha. No começo, só um pouco. Depois, conforme as novas gerações iam povoando o minhocário, fui aumentando a quantidade.

Se, na minha infância, alguém dissesse que em 2010 eu estaria criando minhocas em casa, daria uma gargalhada. Nasci três anos antes do homem ir à Lua e as crianças daquela época sonhavam em ser astronautas. Víamos Jetsons na TV e achávamos que, quando fôssemos adultos, não seria mais preciso fazer comida, pois nos alimentaríamos com pílulas.

Pois bem, décadas se passaram e aqui estou eu comprando orgânicos, cultivando uma mini-horta, adorando cozinhar e transformando restos de vegetais em adubo. Para isso servem as minhocas. Elas ficam quietinhas em suas caixas comendo aquilo que iria para o lixo. Em algumas semanas, talos, folhas, pó de café usado, pão embolorado, cascas de frutas e de ovos viram puro húmus. Num recipiente separado fica o líquido que escorre: é vitamina da melhor qualidade para diluir em água e borrifar nas plantas! Para o lixo, só vão restos de carne, queijo, comida muito salgada ou gordurosa, cascas de laranja e limão (ácidos demais para as minhocas).

O minhocário é limpíssimo e cabe em qualquer canto (vários amigos que moram em apartamento têm um kit igualzinho). Precisa ficar na sombra. Quando você abre a caixa, dá para ver os vegetais em decomposição e as minhocas passeando por eles, felizes da vida. Tem cheirinho de terra, suave e gostoso.  Para organizar o esquema na cozinha, basta colocar na pia um recipiente para ir recolhendo a refeição das queridas invertebradas ao longo do dia.

Meus filhos e os amigos deles se divertem olhando a movimentação que acontece dentro do minhocário. Outro dia, uma menina quis levar para casa. Arranjei um potinho, furei para arejar e coloquei algumas minhocas enroladas em seu húmus junto com um pouco de comida. Mas tenho a impressão de que a colônia não foi em frente, pois, ao vir buscar, a mãe olhou horrorizada para o brinde. Compreendi a reação dela, pois eu mesma demorei um pouco para acostumar com essa ideia. Hoje em dia, em vez de nojo até sinto saudade da turma quando vou viajar (rs). Falando nisso, elas sobrevivem mais de um mês sem colocar comida nova, por isso as viagens não são problema para iniciar sua criação.

Fica aqui o convite para entrar para a turma da minhoca. Além de reduzir bastante a quantidade de lixo produzida na sua casa e fabricar um adubo de excelente qualidade, você vai ver como é boa a sensação de acompanhar todos os dias o reinício do ciclo da vida.


ONDE COMPRAR E MAIS INFORMAÇÕES SOBRE MINHOCÁRIOS

– Morada da Floresta (São Paulo) – http://www.moradadafloresta.org.br/
Desenvolve também sistemas de compostagem dimensionados para atender às necessidades de condomínios, empresas, escolas, restaurantes, clubes, hotéis e eventos. Recentemente, a Morada da Floresta cuidou de todos os resíduos orgânicos da Adventure Sports Fair. Veja lá: http://colunas.epoca.globo.com:80/viajologia/2010/10/07/show-de-sustentabilidade-na-adventure-sports-fair-em-sao-paulo/

– Composteira Soluções Ecológicas (São Paulo) – http://composteira.blogspot.com/

– Minhocário Urbano Sustentável Caseiro (São Paulo) –http://cadicominhocas.blogspot.com/
Alternativa permacultural (aproveita sucata) e mais econômica. Entregas a combinar em estações do metrô.

– Minhocasa (Brasília) – http://www.minhocasa.com/
Além de produzir minhocários, a empresa dá cursos e atua com projetos socioambientais no Distrito Federal.

38. A desinvenção do lixo

O que será que vai acontecer antes: a gente desinventar o lixo ou o lixo soterrar a civilização?

Eu tinha acabado de escrever a frase acima quando apareceu na home do UOL a seguinte notícia: Carga de lixo vinda da Alemanha é encontrada em porto do Rio Grande do Sul(http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/784380-carga-de-lixo-vinda-da-alemanha-e-encontrada-em-porto-do-rio-grande-do-sul.shtml). No tal contêiner (encontrado dia 4/8 e anunciado hoje) estão 22 toneladas de lixo doméstico, incluindo fraldas usadas e todo tipo de porcaria. Em junho do ano passado, não sei se você se lembra, a mídia noticiou bastante a descoberta de 89 contêneires com cerca de 1.200 toneladas de lixo tóxico, domiciliar e eletrônico vindas da Inglaterra. 

Quando comecei a batucar esse texto, minha intenção era escrever sobre o conceito de lixo, que é novidade. Surgiu com a industrialização e a invenção de materiais que não se decompõem naturalmente, como os plásticos. Todas as civilizações anteriores à Era do Consumo Frenético reaproveitavam tudo, até o xixi (no tingimento de tecidos) e o cocô (como adubo). Mas esse caso de polícia me tirou do sério e outra hora retomo o papo-cabeça.

É ingenuidade acreditar que o contêiner alemão de agora e a imunda frota inglesa de 2009 foram os únicos carregamentos do gênero já importados ilegalmente pelo Brasil. O fato é que estamos na rota do tráfico internacional de lixo, em companhia principalmente das nações africanas. O ótimo livro Gomorra, de Roberto Saviano (aquele cara que contou tudo sobre a máfia napolitana e está jurado de morte), explica direitinho a conexão entre os dejetos da nossa sociedade e o submundo do crime.

Se na Europa não há mais espaço para armazenar lixo, no Brasil os aterros estão cada vez mais saturados. Tudo que os lixeiros recolhem no litoral norte de São Paulo, por exemplo, sobe a serra para ser depositado perto de Paraibuna. Ou seja, se o assunto é sustentabilidade, a barra daqueles paraísos praianos anda meio suja.

A maioria das pessoas ainda acredita que a reciclagem é uma solução mágica para o problema do lixo. Mas, não por acaso, os 3 R’s do lema dos ambientalistas vêm na seguinte ordem: Reduza, Reutilize e Recicle. Ou seja, reciclar, só em último caso, pois se trata de um processo industrial que gasta muita energia, muitos produtos químicos tóxicos e muito combustível (no transporte da sucata). A própria Bracelpa, entidade que reúne as indústrias papeleiras, assume que o papel reciclado tem o mesmo impacto ambiental do papel novo, se for certificado (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090415/not_imp354835,0.php).

Se a reciclagem fosse uma solução perfeita para eliminar 100% do lixo, por que países tão preocupados com o meio ambiente, como a Inglaterra e a Alemanha, estariam mandando seus contêineres sujismundos para cá?

Galera, não tem outro jeito: é preciso reduzir o consumo e reutilizar ao máximo aquilo que a gente já tem. Ou então esperar que o tsunami do lixo cubra o planeta.

Carlos Simões é o moderador do São Paulo Freecycle. Quando eu estiver mais calminha explico melhor como funciona esse grupo. Por enquanto, fique com os vídeos que ele indica:

http://www.youtube.com/watch?v=BWPU5WNgQ2w&feature=youtu.be  (Trailer de Waste Land, documentário que mostra o trabalho do artista plástico Vik Muniz com os catadores que trabalham num lixão no Rio de Janeiro)

http://www.youtube.com/watch?v=U6IbRSRe8MQ&feature=related
(Clip da música 3 R’s, do cantor e compositor havaiano Jack Johnson)

http://vimeo.com:80/2354118
(O mundo visto pelos olhos dos catadores)